Lourival Sant'Anna
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Lourival Sant'Anna

Analista de Internacional. Fez reportagens em 80 países, incluindo 15 coberturas de conflitos armados, ao longo de mais de 30 anos de carreira. É mestre em jornalismo pela USP e autor de 4 livros

Análise: Conversa entre Trump e Putin não põe fim à guerra na Ucrânia

As atitudes do presidente americano servem de incentivo para o autocrata russo tentar subjugar o país vizinho

Putin e Trump no Japão em 2019.  • REUTERS/Kevin Lamarque
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O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, havia dito que só uma conversa entre ele o autocrata russo, Vladimir Putin, poria fim à guerra na Ucrânia. A conversa aconteceu nessa segunda-feira, e o único avanço visível é o fim dessa ilusão.

Putin insiste, na conversa, que a única solução para o conflito é resolver as suas “causas-raiz”, como tem feito desde quando preparava a invasão em grande escala de fevereiro de 2023. Essas supostas causas dizem respeito à independência da Ucrânia.

Portanto, ou a Ucrânia aceita ser subjugada pela Rússia, como foi, de forma direta ou indireta, ao longo de 153 anos sob o Império Russo e de 69 anos sob a União Soviética, ou a guerra continuará até que os russos desistam.

A Ucrânia soma 1.143 anos de história, desde a fundação de Kiev; a Rússia, como estado separado de Kiev, e centrado em Moscou, 545.

De imediato, a conversa telefônica de duas horas beneficia Putin. Primeiro, por sua simples ocorrência. Um dos objetivos da política externa e de defesa desses 25 anos de governo Putin é ser tratado de igual para igual pelos Estados Unidos, depois da forma humilhante como a União Soviética recorreu à ajuda econômica americana durante sua dissolução, nos anos 90.

Para maximizar o símbolo de poder contido no telefonema, Putin se programou para estar em visita a uma escola de música na costa de Sochi no horário -- uma forma de transmitir que falar com o presidente dos Estados Unidos é algo rotineiro, e não algo extraordinário, para ele.

Não é só isso. O ambiente no qual a conversa ocorreu foi de total descompressão para Putin. Antes dela, o vice-presidente americano, JD Vance, disse: “Não é nossa guerra”, referindo-se ao fato de que ela ocorre na Europa.

Depois da conversa, Trump publicou em sua rede, Truth Social, que as negociações começariam imediatamente e que “as condições para isso serão negociadas entre as duas partes, como só pode ser, porque elas conhecem detalhes de uma negociação que mais ninguém saberia."

Trump disse ainda que “o Vaticano está interessado em sediar as negociações".

Com isso, o presidente americano tenta trazer para si os louros de uma eventual paz na Ucrânia, e, ao mesmo tempo, se livrar do ônus de não ter cumprido sua promessa de “acabar com a guerra em 24 horas”.

Para Putin, essas declarações confirmam que Trump não está disposto a pressioná-lo para aceitar o cessar-fogo. Principalmente porque elas são consistentes com outras atitudes de Trump, de responsabilizar o presidente da Ucrânia, Volodymir Zelensky, por não querer ceder soberania à Rússia.

Na reunião na Casa Branca, na frente das câmeras, Trump vociferou para Zelensky: “Você não tem as cartas. Está brincando com a 3.ª Guerra Mundial”.

Para que Putin desistisse de impor seu desejo sobre a Ucrânia, ele teria que sofrer uma pressão muito maior do que sofreu até aqui, tanto dos Estados Unidos quanto da Europa. Com a volta de Trump à Casa Branca, essa pressão diminuiu.

Logo, a paz está mais distante do que estava antes. A menos que a expectativa de paz recaia sobre a rendição da Ucrânia. Mas, assim como os ucranianos, os europeus em geral não estão dispostos a aceitar essa rendição, por considerar que o respeito à soberania é uma premissa para a estabilidade e a ordem na Europa. E no resto do mundo.