“Manifestamos nossa preocupação com as tentativas de cerceamento ao direito de fala, com a condução unilateral dos trabalhos e com o tratamento descortês dispensado às delegações”, afirmou a secretária-executiva do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania do Brasil, Janine Mello dos Santos, em carta dirigida ao subsecretário de Direitos Humanos da Argentina, Alberto Baños.

No documento, assinado em 14 de maio, ao qual a CNN teve o, a representante brasileira enumerou diversas insatisfações com o modo com que os argentinos conduziram a realização das reuniões de direitos humanos do bloco.

Em 18 pontos, a carta da secretária brasileira dos direitos humanos de Luiz Inácio Lula da Silva afirma que o governo Milei convocou reuniões de forma intempestiva, não garantiu tempo suficiente para que os países entrassem em consenso sobre uma agenda comum, não realizou reuniões de grupos de trabalho, e tentou impor a aprovação ou rejeição de uma agenda, sem participação de “de maneira igualitária e horizontal” dos demais países na reunião plenária de Altas Autoridades sobre Direitos Humanos do Mercosul, realizada virtualmente em 6 de maio.

“Após a manifestação brasileira, a Presidência Temporária da Argentina, de maneira injustificada e antidemocrática, tentou impor que os estados se limitassem a aprovar ou rejeitar a agenda, sem que qualificassem ou justificassem seus posicionamentos”, expressa o ofício.

O documento diz que após protestos das delegações chilena, uruguaia e brasileira, a palavra foi dada à autoridade do Uruguai, “que apoiou o posicionamento da delegação brasileira e também se manifestou contrária à aprovação da agenda em votação”. Mesmo assim, segundo a carta, o direito à palavra dos países somente foi dado após questionamentos e discussões.

A secretária afirma na carta que o Brasil não teve pedidos atendidos nem respondidos pelos argentinos e que houve “recusa em estabelecer um diálogo aberto e multilateral” na condução de sugestões de mudanças e na construção de agendas das comissões e da reunião plenária.

“A delegação brasileira entendeu pela ausência de condições mínimas para a aprovação das agendas definidas unilateralmente, e assim procedeu em todas as reuniões das comissões permanentes”, diz, apontando que encontros especializados e de altas autoridades ocorreram de forma simultânea e “atípica”, nos dias 5 e 6 de maio.

O documento também manifesta preocupação com a ausência de instâncias formais de participação da sociedade civil, como uma conversa com as altas autoridades de Direitos Humanos.

A CNN apurou que antes do envio da carta brasileira, o Uruguai já tinha manifestado preocupação com a ausência das instâncias de participação da sociedade civil na agenda dos encontros.

O documento enviado pelo Brasil queixa-se ainda da “injustificada marginalização” da diretoria executiva do Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos do bloco, liderado pela brasileira Andressa Caldas, nos trabalhos prévios à reunião plenária. “A expertise e papel institucional do IPPDH são fundamentais para assegurar a qualidade técnica e a efetividade das deliberações pelos Estados-parte”, diz o texto.

“Reiteramos nossa preocupação com os encaminhamentos dos trabalhos no âmbito da Reunião de Altas Autoridades de Direitos Humanos do Mercosul, pela falta de debates e pelo precedente que isso gera”, conclui o texto, pedindo participação ampla e transparente dos países membros, da sociedade civil e das instituições de apoio do bloco.

Procurado pela reportagem, o subsecretário argentino Alberto Baños disse nunca ter recebido a carta e que soube do mal-estar pela imprensa. Ele não fez comentários, no entanto, sobre as afirmações brasileiras.

A CNN, por sua vez, teve o a um documento assinado pela presidência temporária da Reunião de Altas Autoridades de Direitos Humanos da Argentina, datada de 21 de maio, agradecendo o envio da nota da delegação brasileira.

“A Argentina valoriza profundamente as opiniões de todos os Estados Parte do Mercosul e reafirma seu pleno compromisso com o respeito institucional, o diálogo multilateral e a construção comum no contexto deste fórum regional de direitos humanos”, diz o texto, que afirma que a presidência argentina abriu a agenda para a participação e expressão de todos os países.

A nota diz que “infelizmente, a impossibilidade de consensuar uma agenda comum, nesta ocasião” não permitiu que os integrantes do bloco avançassem nos debates técnicos e políticos previstos.

“Confiamos em que num futuro próximo possamos retomar uma agenda substantiva”, expressa o texto, afirmando que a Argentina “tem a convicção de que os direitos humanos requerem canais de diálogo permanente, participação efetiva e compromisso compartilhado”.

A CNN questionou o ministério da Justiça da Argentina, responsável pela subsecretaria de Direitos Humanos, sobre o ofício enviado pelo governo brasileiro e aguarda retorno. Também procurada, a chancelaria argentina não fez comentários.

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