Ambas as decisões vieram dentro do esperado – o Fed não fez nada e o nosso Copom subiu a taxa Selic em 0,5% para 14,75%, maior taxa de juros desde 2006, mas ambas as decisões trouxeram importantes informações de como cada instituição deve agir em um ambiente de altos riscos e incertezas.
No caso do Fed, que como a maioria dos analistas foi surpreendido pela agressividade de Trump na questão tarifária, a decisão foi de “wait and see”, ou “esperar para ver”.
De fato, em sua fala habitual com a imprensa depois da divulgação da decisão, o chefe do Fed Jay Powell repetiu a palavra “waiting”, ou esperar, mais de vinte vezes.
Para o Fed, o choque tarifário coloca seus dois mandatos – inflação e atividade/desemprego – em risco, sendo um choque negativo de oferta que derruba a atividade e aumenta a inflação.
Neste momento, não é possível dizer qual deles vai piorar mais, tanto em magnitude como em persistência.
A visão “livro texto” seria que um choque deste tipo, se suficientemente forte, deve gerar um impacto imediato forte na inflação, mas com efeitos cadentes dado a também queda na atividade que pode ser mais duradoura.
Isso seria a razão que, como em 2018, o Fed acabou cortando juros na primeira (mas mais dócil) guerra tarifária de Trump.
Por que então o Fed não está disposto a agir de forma mais célere no episódio atual? Primeiro, porque não há ainda nenhuma piora evidente na economia: o PIB pela ótica da absorção do primeiro trimestre está crescendo ao redor de 2% e o mercado de trabalho tem desacelerado, mas ainda mostrando saldo positivo em termos de geração de novos empregos.
Tudo isso deve piorar, mas não há agora nenhuma razão concreta para agir.
Segundo, um dos efeitos do “Liberation Day” foi uma forte piora nas expectativas de inflação.
Uma resposta muito rápida pelo Fed poderia piorar ainda mais essas expectativas, tornando o que deveria ser um ajuste pontual nos preços em um processo inflacionário mais perene.
E por último, eu não duvido que os ataques de Trump a Powell e a independência do Fed causem um mal-estar, diminuindo a disposição de ajudar Trump na execução de uma política que uma enorme maioria dos membros do Fed devem acreditar ser uma péssima ideia.
Em resumo, o Fed está sinalizando que vai estar atrasado de propósito. Veremos abaixo que isso deve ter consequências para economia americana e brasileira.
Nosso Copom em alguns pontos adotou uma postura similar ao Fed, mas no nosso caso com conclusões mais “dovish”, sinalizando o bastante provável fim do ciclo de alta de juros.
Chamou atenção duas surpresas no comunicado.
Primeiro, a projeção de inflação para 2026 caiu de 3,9% para 3,6%. Enquanto ainda longe da meta de 3%, essa melhora foi mais do que pontual.
E aumenta mais ainda a diferença com as projeções do mercado, que pelo Boletim Focus está em 4,51%.
Segundo, o Copom mudou seu balanço de risco, que estava assimétrico para riscos maiores para a alta da inflação, para um risco assimétrico quando incorporando os prováveis efeitos da guerra tarifária na atividade global e na queda dos preços das commodities.
É verdade que o Copom também indicou que o cenário atual “prescreve uma política monetária em patamar significativamente contracionista por período prolongado”, mas isso seria mais uma indicação de manter a Selic no patamar atual do que sinalizar por altas adicionais.
Assim a Selic deve ficar parada até o final do ano pelo menos? Eu acredito que não.
A grande questão da conjuntura global é se os EUA, e por tabela muitos outros países, vão sofrer ou não uma recessão devido a guerra tarifária.
Com os recentes recuos de Trump, esse medo tem diminuído (hoje mesmo Trump está anunciando um acordo com o reino Unido).
Mas para evitar uma recessão com estagflação, Trump tem que rapidamente diminuir o nível efetivo das tarifas, e isso não parece ser algo provável – especialmente em relação à China.
Outra questão importante é que, bem diferente do coque da pandemia, o choque atual e a postura “paciente” do Fed colocam tanto a política fiscal como a monetária em direções pró-cíclicas, isto é, aumentado a pressão sobre a atividade econômica.
As tarifas não somente desarticulam cadeias de comércio, mas também representam uma alta de impostos sobre o consumidor americano, de ao redor de 2% do PIB, impactando negativamente a demanda.
Isto é, estamos também vendo um aperto da política fiscal. Assim, ainda me parece bastante provável que veremos uma clara piora na economia americana nos próximos meses, com o Fed cortando os juros em sua reunião de julho ou setembro.
Em um cenário de recessão global e ostentando uma das maiores taxas de juros reais do mundo, não tenho duvido que o nosso Banco Central vai seguir o Fed e cortar a Selic antes do final do ano.
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