A doença é causada pela bactéria Yersinia pestis, que circula entre populações humanas há pelo menos 5 mil anos. Esse patógeno provocou três grandes pandemias de peste desde o século I d.C. E, embora seus anos mais mortais pareçam ter ficado no ado, ela não desapareceu.
Casos ainda ocorrem algumas vezes por ano na Ásia, América do Sul e nos Estados Unidos, e com mais frequência em partes da África, segundo a Cleveland Clinic, podendo ser tratados com antibióticos.
Cientistas ainda buscam respostas sobre como a Y. pestis evoluiu e se espalhou, mas uma análise recente de amostras antigas e modernas revelou como a peste conseguiu persistir entre os humanos por centenas de anos após o fim das grandes ondas pandêmicas.
Após um período inicial de altas taxas de infecção e mortes rápidas — matando pessoas infectadas em até três dias —, alterações em apenas um gene da bactéria geraram novas cepas menos letais e mais transmissíveis, segundo pesquisa publicada na quinta-feira na revista Science.
Essas cepas enfraquecidas eventualmente desapareceram; a linhagem dominante da Y. pestis atual é a mais letal, segundo os autores do estudo. No entanto, essas descobertas sobre adaptações históricas podem fornecer pistas importantes para ajudar cientistas e médicos a lidarem com surtos modernos de peste.
A forma mais comum da peste é a peste bubônica, que causa inchaço doloroso nos gânglios linfáticos e se espalha por meio de picadas de pulgas que viajam em ratos infectados.
Um surto de peste bubônica entre 1347 e 1352 na Europa matou entre 30% e 50% da população do continente. Mas o surto mais antigo conhecido de peste bubônica — a Peste de Justiniano — atingiu a Bacia do Mediterrâneo e durou de 541 a 544 d.C. Outro surto surgiu na China na década de 1850 e desencadeou uma epidemia importante em 1894. Os cientistas veem os casos modernos como parte dessa terceira pandemia.
Para o novo estudo, os cientistas coletaram amostras antigas de Y. pestis de restos humanos datados de cerca de 100 anos após o surgimento das duas primeiras pandemias, com amostras da Dinamarca, Europa e Rússia. Após reconstruírem os genomas dessas cepas, eles os compararam com os exemplares mais antigos, datados do início das pandemias.
Os pesquisadores também analisaram mais de 2.700 genomas de amostras modernas de peste da Ásia, África, América do Norte e América do Sul. Uma das coautoras do estudo, Jennifer Klunk, é cientista de produto da Daciel Arbor Biosciences, uma empresa de biotecnologia de Michigan que forneceu moléculas sintéticas para os experimentos, mas não houve lucro financeiro envolvido na pesquisa.
Eles descobriram que os genomas reconstruídos, de cerca de 100 anos após as primeiras pandemias, apresentavam menos cópias de um gene chamado pla, conhecido há décadas como um dos fatores que tornavam a peste tão letal, segundo Ravneet Sidhu, coautora do estudo e doutoranda no Centro de DNA Antigo da Universidade McMaster, em Ontário, Canadá.
O pla codifica uma enzima que interage com proteínas do hospedeiro, “e uma de suas funções é romper coágulos sanguíneos”, disse Sidhu à CNN. Essa capacidade ajuda a Y. pestis a se espalhar para os gânglios linfáticos, onde se multiplica antes de atacar o resto do corpo.
“Nem todas as funções desse gene são totalmente conhecidas”, acrescentou Sidhu. No entanto, estudos anteriores de outros pesquisadores já haviam relacionado o pla à gravidade da doença, tanto na peste bubônica quanto na pneumônica — uma forma transmitida pelo ar que afeta os pulmões, explicou.
Embora as cepas reconstruídas mostrassem menos cópias do gene pla, os cientistas ainda não sabiam se isso afetaria diretamente a letalidade da doença. Então, testaram cepas de peste bubônica com menos pla em camundongos e descobriram que as taxas de sobrevivência eram de 10% a 20% mais altas do que nos animais infectados com cepas normais. Além disso, a cepa modificada demorava cerca de dois dias a mais para matar seus hospedeiros.
“O artigo apresenta um argumento forte de que a redução, mas não a perda total, da enzima Pla (produzida pelo gene pla) faz parte da evolução da peste e pode ajudar a explicar o declínio da peste durante a segunda pandemia, conhecida como Peste Negra”, disse a Dra. Deborah Anderson, professora de patobiologia veterinária da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade do Missouri, que não participou da pesquisa. Anderson estuda a virulência da peste, e essas descobertas podem lançar luz sobre padrões de transmissão atuais, disse ela por e-mail à CNN.
“Nosso laboratório estuda o ciclo pulga-roedor, e temos colaboradores que fazem pesquisas de campo em áreas que enfrentam surtos anuais ou ocasionais de peste na natureza”, disse Anderson.
“Há quase 300 espécies de roedores que podem transmitir a Yersinia pestis, e hoje, roedores escavadores como cães-da-pradaria ou esquilos terrestres são considerados hospedeiros-chave da doença”, acrescentou. “Depois de ler este artigo, prestaremos mais atenção ao Pla no futuro para ver se sua expressão continua tendo papel nos surtos explosivos entre animais.”
Modelos matemáticos sugerem como isso pode ter acontecido entre populações humanas séculos atrás, levando a um “esgotamento epidêmico” cerca de 100 anos após o surto inicial da peste bubônica.
Nos estágios iniciais da pandemia, as infecções eram rápidas e a morte, igualmente veloz, tanto em ratos quanto em humanos. Com o tempo, à medida que as populações densas de ratos diminuíam, pressões seletivas favoreciam o surgimento de uma cepa menos letal da Y. pestis, com menos cópias do gene pla.
Ratos infectados com essa nova cepa teriam mais tempo para carregar a doença, o que aumentava a chance de infectar outros ratos — e, consequentemente, mais pessoas.
“Eles propõem um modelo que pode ser facilmente testado em laboratório e que pode ajudar a explicar a propagação da peste na natureza hoje”, disse Anderson.
Essas cepas mais fracas eventualmente desapareceram e foram extintas. Nas amostras modernas, os pesquisadores encontraram apenas três exemplos de cepas com menos pla, todas do Vietnã: uma de um ser humano e duas de ratos pretos (Rattus rattus).
“Fizemos esse estudo realmente interessante, unindo dados modernos e antigos e conectando eventos ao longo da longa história evolutiva da peste”, disse Sidhu. “Pode ser interessante ver como futuras pesquisas continuarão tentando fazer a ponte entre a terceira pandemia moderna e as duas primeiras pandemias antigas, para identificar outras semelhanças. Porque não há muitos patógenos antigos sobre os quais temos tantos dados quanto temos sobre a Yersinia pestis.”
Uma das características incomuns das pandemias de peste é sua persistência, e entender como a Y. pestis mudou seus padrões de infecção e sobreviveu ao longo do tempo pode lançar luz sobre os padrões adaptativos de pandemias modernas como a Covid-19, acrescentou ela.
“Mesmo que não estejamos mais vivenciando a pandemia da forma intensa de 2020 ou 2021, o patógeno continua presente — ainda evoluindo e persistindo.”