À primeira vista, parece inevitável que o par galáctico — separado por cerca de 2,5 milhões de anos-luz — esteja em rota de colisão. A Via Láctea e Andrômeda estão se aproximando a cerca de 360 mil quilômetros por hora (100 km/s).

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Contudo, o chamado Grupo Local, ou nosso “canto” do universo, inclui cerca de 100 galáxias menores conhecidas. Um grupo de astrônomos levou em conta algumas das maiores entre elas, como a Grande Nuvem de Magalhães (LMC) e M33 (galáxia do Triângulo), para avaliar o quanto essas estruturas podem influenciar o futuro da Via Láctea nos próximos 10 bilhões de anos.

Após considerar a atração gravitacional dessas galáxias e rodar 100 mil simulações com dados novos dos telescópios espaciais Hubble e Gaia, os pesquisadores descobriram que há cerca de 50% de chance de colisão entre a Via Láctea e Andrômeda nesse período.

A probabilidade de colisão em 4 a 5 bilhões de anos, como se acreditava antes, é de apenas cerca de 2%, segundo o estudo publicado nesta (2) segunda-feira na revista Nature Astronomy.

A fusão entre a Via Láctea e Andrômeda destruiria ambas, transformando suas estruturas espirais em uma única galáxia alongada, afirmaram os autores. Colisões entre esses sistemas estelares podem provocar “fogos de artifício cósmicos”, quando o gás concentrado no centro do remanescente da fusão alimenta um buraco negro central, que emite enorme quantidade de radiação antes de engolir tudo ao redor, explicou o coautor Carlos Frenk, professor da Universidade de Durham, na Inglaterra.

“Até agora pensávamos que esse era o destino que aguardava nossa galáxia”, disse Frenk. “Agora sabemos que há uma boa chance de evitarmos esse destino assustador.”

Contudo, muitos fatores desconhecidos dificultam prever o destino final da Via Láctea. E Frenk alerta: há uma chance maior de colisão com a LMC em até 2 bilhões de anos, o que pode alterar fundamentalmente nossa galáxia.

Simulações de colisões galácticas

A LMC orbita a Via Láctea, enquanto M33 é satélite de Andrômeda. A massa da primeira equivale a apenas 15% da da Via Láctea, mas os cientistas descobriram que sua atração gravitacional, perpendicular à de Andrômeda, altera o movimento da Via Láctea o suficiente para reduzir a chance de uma fusão entre as duas galáxias gigantes. O mesmo ocorre com M33.

“A massa extra da M33 puxa a Via Láctea um pouco mais para ela”, disse o autor principal do estudo, Dr. Till Sawala, astrônomo da Universidade de Helsinque, na Finlândia. “Mas mostramos também que a LMC desvia a Via Láctea de seu plano orbital e a afasta de Andrômeda. Isso não significa que a LMC nos salvará da fusão, mas a torna um pouco menos provável.”

Pesquisas anteriores assumiam valores fixos para dados desconhecidos, como a posição, velocidade e massa das galáxias do Grupo Local. Neste novo estudo, os cientistas consideraram 22 variáveis diferentes, inclusive esses dados incertos.

“Rodamos dezenas de milhares de simulações, o que nos permitiu considerar todas as incertezas observacionais”, disse Sawala. “Como há tantas variáveis com seus próprios erros, isso gera uma incerteza acumulada sobre o desfecho, levando à conclusão de que a chance de colisão direta é de apenas 50% nos próximos 10 bilhões de anos.”

Em pouco mais da metade das simulações prevendo os próximos oito a 10 bilhões de anos, as galáxias Via Láctea e Andrômeda aram inicialmente próximas uma da outra antes de perder energia orbital suficiente para colidir e se fundir. Esses encontros iniciais entre os halos — grandes envoltórios de gás — das estruturas acabariam provocando a fusão.

Três imagens mostram diferentes cenários de como a Via Láctea e as galáxias de Andrômeda poderiam interagir no futuro. No canto superior esquerdo, duas galáxias espirais se cruzam a uma grande distância. No canto superior direito, duas galáxias espirais estão mais próximas, com seus halos de gás invisíveis interagindo. A imagem inferior mostra a colisão de duas galáxias espirais, resultando em uma área em forma de X • Nasa/ESA/STScI
Três imagens mostram diferentes cenários de como a Via Láctea e as galáxias de Andrômeda poderiam interagir no futuro. No canto superior esquerdo, duas galáxias espirais se cruzam a uma grande distância. No canto superior direito, duas galáxias espirais estão mais próximas, com seus halos de gás invisíveis interagindo. A imagem inferior mostra a colisão de duas galáxias espirais, resultando em uma área em forma de X • Nasa/ESA/STScI

“Em geral, a fusão provavelmente causaria uma forte explosão de formação estelar, seguida por um período de radiação intensa, causada por estrelas jovens explodindo e pela reativação do buraco negro supermassivo, levando ao fim da formação de estrelas”, disse Sawala. “Alguns bilhões de anos depois, qualquer vestígio da antiga Via Láctea e Andrômeda desapareceria, e o remanescente seria uma galáxia elíptica sem grandes características.”

Em outras simulações, as galáxias apenas se cruzaram sem grandes perturbações.

Geraint Lewis, professor de astrofísica da Universidade de Sydney, considera interessante a influência gravitacional da M33 e da LMC. Ele já publicou pesquisas sobre a possível colisão entre a Via Láctea e Andrômeda.

“Não podemos saber se a colisão será evitada no futuro, mas o estudo mostra claramente que a ideia de que essas galáxias vão inevitavelmente se destruir não é tão certa quanto se acreditava”, disse Lewis. “Mesmo que haja apenas um encontro próximo, sem colisão frontal, o impacto gravitacional entre elas pode deixar ambas em um estado lastimável.”

Prevendo o futuro cósmico

Embora seja importante considerar os efeitos gravitacionais da LMC sobre a Via Láctea, o aspecto mais crucial do novo estudo é levar em conta as incertezas, afirmou Scott Lucchini, pesquisador do Instituto de Teoria e Computação do Centro de Astrofísica Harvard & Smithsonian.

“Eles consideraram as incertezas nas posições, velocidades e massas das galáxias para obter as probabilidades relativas de diferentes cenários”, disse Lucchini por e-mail. “Isso realmente nos dá uma visão completa do que pode acontecer.”

As galáxias são sistemas complexos. Suas formas podem ser distorcidas, interações mudam suas órbitas e elas podem perder massa de diferentes maneiras — o que torna as previsões muito difíceis, segundo Lucchini.

Isso deixa o destino da Via Láctea “completamente em aberto”, escreveram os autores do estudo.

No entanto, novos dados do telescópio espacial Gaia, previstos para o verão de 2026, devem oferecer medições mais precisas sobre a velocidade e a direção de Andrômeda no céu, afirmou Sawala.

O destino da Terra

Segundo os pesquisadores, o destino do Sol pode ter mais impacto sobre o futuro da Terra do que os movimentos galácticos.

Nosso astro tem 4,5 bilhões de anos. Quando começar a morrer, em cerca de 5 bilhões de anos, ele se expandirá até virar uma gigante vermelha e engolirá Mercúrio, Vênus e possivelmente a Terra, segundo a Nasa.

“A resposta curta é que o fim do Sol será muito pior para o nosso planeta do que uma colisão com Andrômeda”, disse Sawala.

“Embora essa fusão significasse o fim da nossa galáxia como a conhecemos, isso não significaria necessariamente o fim do Sol ou da Terra. E embora nosso trabalho mostre que estudos anteriores que tentaram prever com precisão o destino do sistema solar após a fusão foram prematuros, em geral, colisões entre estrelas ou planetas são extremamente raras durante fusões galácticas. E, enquanto o fim do Sol é certo, nosso estudo mostra que o fim da galáxia está longe de ser garantido.”

Embora o grupo não tenha modelado em detalhe uma fusão entre a LMC e a Via Láctea, eles descobriram que há “certeza virtual” de que essa fusão ocorrerá em até 2 bilhões de anos, o que está de acordo com estudos anteriores, disse Sawala. Mas os efeitos provavelmente serão menores do que uma fusão entre a Via Láctea e Andrômeda.

“A fusão (entre a Via Láctea e a LMC) não destruirá nossa galáxia, mas a mudará profundamente, especialmente afetando nosso buraco negro supermassivo central e o halo galáctico”, escreveu Frenk por e-mail. Ele também foi coautor de um artigo de 2019 sobre essa possível fusão.

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