Com o auxílio da ferramenta Google Pinpoint, a CNN analisou os relatórios produzidos nos últimos dez anos pelas edições do SEEG e as mudanças nas recomendações da instituição direcionadas ao governo brasileiro. Por meio do assistente de inteligência artificial integrado à plataforma, o Gemini, foi possível listar as principais medidas propostas em cada ano.
Ao verificar os documentos produzidos de 2015 a 2024, é possível perceber como a proposta de desmatamento zero ganhou cada vez mais importância para que o país consiga frear suas emissões e cumprir com as metas do Acordo de Paris dentro do prazo.
O SEEG foi criado no início dos anos 2010 para monitorar e divulgar dados confiáveis sobre as emissões de carbono brasileiras. Desde o início da série histórica, em 1990, a mudança de uso da terra (setor em que se enquadra o desmatamento) representa a maior porcentagem de emissões de gases de efeito estufa (GEE) no Brasil em todos os anos.
"O perfil de emissões brasileiro é muito dominado pela emissão de desmatamento. A primeira coisa que o Brasil deve fazer para se enquadrar numa trajetória de baixo carbono é controlar o desmatamento", observou à CNN, o coordenador do SEEG, David Tsai.
Por conta disso, o cenário brasileiro para reduzir emissões é diferente daquele enfrentado pela maior parte dos outros Estados, que estão focados em fazer a transição energética para fontes renováveis – cenário este que o Brasil já vive.
"No mundo em geral, o grande vilão do aquecimento global é a queima de combustíveis fósseis, que representa mais de 70% [das emissões] no plano internacional. Também temos problema com queima de combustíveis no setor de energia [no Brasil], principalmente por causa da nossa matriz rodoviária. Mas a grande parte de nossas emissões vem do desmatamento e, pelo volume, do desmatamento na floresta amazônica", afirmou a ex-presidente do Ibama e atual coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, em entrevista à CNN.
O Brasil tem em vigor duas metas: terminar 2025 com uma emissão de, no máximo, 1.320 milhões de toneladas de dióxido de carbono (MtCO2); e 2030 emitindo, no máximo, 1.200 MtCO2 – valor que representa uma redução de 53% em relação ao ano-base de 2005.
Com uma porcentagem grande das emissões de GEE vinculadas ao desmatamento, pode parecer que o caminho para que o Brasil atinja suas metas climáticas é mais simples que para os outros países. No entanto, segundo Tsai, essa "vantagem" é ilusória.
"Em termos de velocidade de redução de emissões, o Brasil pode entregar muito mais do que os outros países", disse o coordenador do SEEG. "Mas, se a gente excluir o desmatamento, a média de emissões brasileira, por habitante, se torna igual à média de emissões mundial. Com o desmatamento, o brasileiro médio emite muito mais do que um cidadão médio do mundo. Então, na verdade, a gente está começando atrás."
Ou seja, zerar o desmatamento pode ser o ponto de partida, mas para que o país se torne carbono neutro – ou seja, remova a mesma quantidade de GEE que é emitida – é preciso atacar as emissões em todos os setores (agropecuária, energia, resíduos, etc.).
Entre os avanços observados nos relatórios da última década, estão o aumento da organização, da transparência e da institucionalização do combate às mudanças climáticas. Se os primeiros documentos incluíam cobranças pela divulgação periódica de dados sobre desmatamento, hoje o país é referência mundial no monitoramento das mudanças de uso da terra.
"Houve uma inserção da política climática nos diversos setores do governo", aponta Tsai. "Claro que ainda tem muito o que aprimorar, mas a gente vê um movimento crescente a cada ano, governos estaduais e municipais se apropriando da agenda."
Nos relatórios, no entanto, muitas recomendações se mantiveram constantes: a descarbonização da economia em todos os setores, a recuperação de áreas de florestas e o fim do desmatamento, e a aposta em energia renovável, entre outras. A repetição dessas medidas indica que o país não conseguiu atingir as metas esperadas nessas áreas, mesmo após dez anos.
Se os especialistas no assunto estão há dez anos falando a mesma coisa, isso quer dizer que o governo não está agindo no ritmo que deveria?
"Na prática, a gente não tem visto resultados concretos em termos de emissões. Após a publicação da Política Nacional de Mudança do Clima [em 2009], a expectativa era que a gente tivesse o Brasil sendo colocado numa trajetória de descarbonização. E o que a gente vê foi o contrário, foi uma trajetória de aumento das emissões. Por isso que essas recomendações se repetem", avalia Tsai.
Suely Araújo também observa que, em meio a essa última década, os quatro anos de governo Bolsonaro acabaram marcados por um desmonte dos órgãos ambientais, o que fez com que o país tivesse que correr atrás do prejuízo.
"Não dá para falar sobre os últimos 10 anos sem essa interrupção. No governo Bolsonaro, o desmatamento da Amazônia voltou a crescer. Foram paralisados o Fundo Amazônia, o Fundo Clima", ressalta Araújo.
E se o Brasil não parece estar agindo com rapidez para combater as mudanças climáticas, este também é o cenário na maior parte dos outros países.
"Na média global, a gente não está adotando as medidas de maneira rápida suficiente", acrescentou o coordenador do SEEG. "A maioria dos países, ou pelo menos dos países mais emissores, também não estão entregando uma redução de emissões compatível com o Acordo de Paris."